quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Capítulo 1 - O começo de tudo

  - Magnos Soundtrack

         Eu não sou desse planeta.
Não exatamente deste, que você está, que no momento estou. Desse planeta que tal história ocorre. Difícil compreensão, mas existem coisas que não foram feitas para serem compreendidas. O que acontece em uma mudança brusca de realidade, uma aflitiva diferença entre rumos interdimensionais?
Ou um sonho. Eu venho de um sonho, a realidade divergente de reações mundanas de  um dia a dia sonâmbulo.
Em qual hipótese uma viagem intergaláctica pode ser feita em apenas um segundo? Um sonho. E como sair dele para vir trocar uma idéia com pessoas que seguem leis físicas, gravidade, teorias? Isso eu não sei explicar. Nem ouso tentar entender. Só sei que aconteceu assim.

O planeta Terra, como o conhecemos, é somente uma ligeira lembrança, para quem gosta de imaginar. Os campos energéticos, a camada de ozônio, o oxigênio tão necessário para nossa vida, não existem mais. Ou existem em teoria. Como existir vida em um lugar tão mesquinho e doloroso? O que aconteceu foi o tão famigerado apocalipse, fim do mundo, era glacial, ou qualquer coisa similar que possa vir a sua imaginação. Adivinhar o futuro ou contemplar o passado? Difícil perceber quando a tênue linha que separa isso não existe mais. O tempo, depois de certo treino, é passado a ver como uma coisa só. Tudo já aconteceu e está para acontecer, é só saber para onde olhar.
Mas o que importa é para onde vamos, se ainda existe algum lugar habitável nessa imensidão infinita que é o universo. E se é infinito, há de existir. E não só o universo pode ser chamado de infinito. Existe um mundo em cada um que consiga ao menos imaginar. E galáxias são tão distantes de seu planeta natal quanto o próprio subconsciente humano de sua plena consciência. E é dentro do inconsciente que esta história ocorre. Uma lembrança vaga de uma tarde de verão, quente como o sol e instável como a lua em uma noite nublada, e o que importa é o brilho continuo de lá de cima: mesmo olhando de baixo, a certeza que a lua está lá é exata. E que tal olhar de cima? Flutuar em direção as estrelas, as super novas, satélites naturais do tamanho de nosso Sol, buracos de minhocas e buracos negros e brancos, um atalho para onde iremos. E justamente através de um desses que chegamos lá. Só fechando os olhos para se ver distante, flutuando, recorrendo a túneis e vias expressas numa imensidão etérea e espacial. Afinal assim como o tempo, o universo é uma fatia do que existe. Ou ao menos minha imaginação permite que isso seja real. E para você?


Ao passar flutuando sobre a terra, nada me veio a mente a não ser escassez. Talvez bolhas, muitas bolhas fervilhando como uma grande sopa dos mais variados ingredientes, temperos e sabores, provocando uma sinestesia artificial, cores para cada som e cheiros para cada visão. Não vi de perto, mas tudo isso foi o que imaginei ao botar meus olhos naquele lugar decadente e tão imenso e imerso em possibilidades, e imaginei o que um dia possa ter existido. Talvez nada, talvez tudo. Talvez nenhum dos dois.

E uma voz ao meu lado me lembrou de que não estava sozinho
“E então?”
“E então o que?” eu disse com ar monótono, ainda imaginando o quão interessante seria botar os pés em terra firme, já estava mareado dessa inércia constante que é a sensação de flutuar no vácuo.
“Pronto para a próxima parada?”
Me lembrei o que estávamos fazendo. Mas não lembrei de onde vinha, o que fazia, se estava vivo ou morto ou só dentro de um sonho numa tarde quente de verão. Tampouco lembrava quem era essa pessoa ao meu lado. Mas nada disso importou naquela hora.
“Sim estou.”
Começamos a nos movimentar em direção a algo que, se eu tivesse o mínimo de razão no momento em questão, daria piruetas e duplos carpados, saltaria como um peixe fora d’água e desataria a gargalhar como louco. Mas contive meus pensamentos futuros e entramos no buraco negro. Buraco negro. Negro, no começo. Em seguida, uma explosão de cores e sentimentos que o mais louco se tornaria o mais são e vice versa. Ou não. Ou talvez eu estivesse ficando louco, o que não é muito difícil quando se está flutuando no espaço e entra por vontade própria em um buraco desses.
A sensação: uma onda. Como se fosse uma onda indo e voltando, um arquétipo perfeito da sensação aquosa que é levar um caldo. Mas sem a água. Só girar girar girar, mal se consegue manter os olhos abertos dentro de um buraco negro, mas naquele momento nada era impossível. Só um pouco menos provável. Ou talvez mais. Não sei. Mas eu mantive os olhos abertos e em um momento eterno, enquanto a eternidade pode durar, a serenidade veio. Estrelas pareciam vir ao meu encontro, e não o contrário, e nada mais parecia ser realidade. Não que no começo parecesse, mas agora parecia mais. Muito mais. Ou muito menos. E de repente, um brusco e rasgado comichão em meus cotovelos me fez perceber meu corpo físico. E tudo pareceu mudar.

Quem acredita em leis (de todos os tipos) físicas, astronômicas, matemáticas, adoraria discernir em relação a babaquice que vos escrevo. Mas quem as segue friamente, esquece do que somos capazes, e somos capazes de muito.

Mas nesse momento não fui capaz de nada, a não ser contemplar o que estava abaixo de mim. Ou em cima, vai saber.

“O que acha?” me perguntou.
“Acho o que eu já achava”
“E o que seria?”
“Acho tudo. E acho nada. Já vim aqui antes, mas ainda não tinha botado os pés nesse lugar” lógico que foi uma maneira de dizer, já que estávamos flutuando praticamente a esmo.
“Sei o que quer dizer. Mas logo isso vai passar, você não mais se lembrará do que há por vir. E nem de mim. Não que você saiba exatamente mas sei que você pode ver alguns caminhos. Pode ver o que importa.”
Confuso? Poderia mentir e dizer que sim. Mas no momento tudo estava claro como esta tarde. Essa tarde quente de verão. Ou seria um sonho placidamente intergaláctico a luz de tantas incontáveis estrelas radiantes? Me virei de lado na cama tentando entender, mas inconsciente desta outra realidade, logo voltei ao meu lugar no vácuo.

Parei para vislumbrar aquele lugar insano e me vi dando voltas para apreciar de uma forma panorâmica aquela vista que em breve teria esquecido. Mas meu subconsciente iria guardar em algum lugar propício. Pelo menos foi o que acreditei naquele momento.

Três luas adornavam o planeta a nossa frente, um pouco menor que a Terra, um pouco maior que o Sol, disforme e contundente, contraditório, brusco, rachado, divido, divino. Cores sem nome o rodeavam em formas gasosas, e desmerecendo qualquer indício de respeito à realidade, montanhas salpicavam aquele lugar, indo em direção as estrelas. Montanhas andantes. Me lembrei de Maomé. Mas... quem seria Maomé? De repente me esqueci. Do que estava falando?

Um brilho me fez parar de girar para apreciar a estrela ao meu lado e percebi que não era uma e sim duas estrelas, uma muito, muito, muito grande, em relação ao planeta, e outra muito, muito pequena, ao lado da outra. Como se fosse a Lua do Sol, mas em chamas por finalmente ter conseguido chegar perto de seu tão desejado ardor.

“Lindo não é?” perguntei
“Lindo. Mas não o suficiente. Você não consegue ver? O que vai acontecer? A razão pela qual estamos aqui, o que você tem que fazer?` Aquilo me soou um pouco inesperado, mas segui em frente.
“Se eu penso, logo existo, então se eu sei, logo me permito. Farei o que for preciso.”
“Um conselho” - olhei para dentro de seus olhos multicoloridos e percebi a seriedade da questão insana em jogo, mas não mais que isso – “No momento certo salve a garota e não entregue a chave. Você se esquecerá, mas algo irá te lembrar, se você fizer certo.” Parecia que eu já tinha ouvido essas palavras, visto, imaginado, talvez não fossem exatamente assim, talvez minha imaginação estivesse voando assim como eu, talvez eu seja fruto de minha própria imaginação. Ou de outra pessoa. Poderia ser somente um vago reflexo de uma inerte memória. Mas parei e pensei.
Se penso, logo existo.
E nisso minha jornada começou.

                                           --

Me dei conta de que estava nu. Nu em pelo, ou pelado se preferir.
Sem memória, sem razão, sem noção, sem porra nenhuma. E qual a primeira coisa que você faria se desse conta de si próprio e estivesse em um lugar estranho, sem conhecer nada, sem saber do que se tratava, jogado no chão como um bêbado em dia de ressaca?
Fiz o que qualquer um faria.
Me levantei. E andei em frente. Tanto quanto meus passos trôpegos puderam permitir.

O lugar era estranho, não que as palavras estivessem certas em minha mente (ela estava vazia e confusa), como assim escrevo, mas de certo era uma espécie de galpão. Um galpão abandonado com muito mato em volta, um verde lascivo e convidativo. O galpão não tinha paredes, só colunas que o sustentavam como um monumento grego, prestes a desabar sobre minha cabeça. Mas não desabou e eu continuei andando.
Jah recuperando um pouco da estabilidade, ousei ir em direção a uma espécie de estrada, um caminho abarrotado de lama, sujeira e muito mato, diferente da cor verde que tinha em volta, este era de uma cor inominável. Pelo menos para mim.
“Garoto, o que você pensa que está fazendo?” Me virei bruscamente e percebi que não estava só. Um senhor com seus setenta anos, pelo que me aparentou, estava sentando em cima de uma pilha de madeira, a cortar lentamente um pequeno toco, fazendo algo que poderia facilmente rasgar qualquer superfície de minha pele. Julguei isso um tanto agressivo e mantive distancia.
Os segundos duraram tanto quanto poderiam durar para uma pessoa em minhas atuais condições, e só meus dedos e artelhos não seriam o suficiente pra medir quanto tempo se passou.
“Calma, não vou te fazer mal” E deixou o toco de lado. Sem fazer nenhuma pergunta a mais nem a menos, disse
“Você precisa de umas roupas! Nudismo deixou de ser moda desde minha juventude.”
E me levou para sua casa.